domingo, 18 de março de 2007






VIDA MATERIAL

Eu sou da vida que sua ,
que sangra,
que lateja,
que ama,
que perde,
que ganha...
Da vida material
abatida e comida pelos homens
nos açougues mal-cheirosos.
Da mesma vida que rir e chora
nos campos devastados da paixão.
Eu sou da mesma vida do fruto doce,
do fruto podre nos jardins das desilusões.
Da mesma vida que rejeita pérolas
e que mendiga carinho.
Da mesma vida que dança nos palacetes
e rodopia entre abutres nos monturos da pobreza.




IDENTIDADE
( para Paulo Leminsk)

O cara da foto 3 x 4 não sou eu.
Esta digital não me identifica.
Minhas dores,
minha loucura,
meus medos,
não cabem neste pedacinho de papel verde.
Este número não diz que tenho uma alma de artista,
que tenho asas enormes,
que tenho insônia,
que tenho mede de lagartixa,
que sou psicomaníaco-depressivo.
Acreditem!
O que me identifica não cabe em um bolso.
Eu não me comporto em um documento.




DO RIO


O rio da minha aldeia
não passa pelo córregodo seu coração.
Rio bravio,
doce,
sereno,
inventor da poesia de seixos e solidão...
Vai por caminhos
que não cortam o vale do seu sentir.
Cria atalhos,
busca clareiras que só o amor conhece.
Rio de sofrer,
rio de morrer no mar de sua boca seca.



TARDE HOSPITALAR

Tarde lúgubre essa,
em que um anjo de asas mofadas,
toma chá comigo
numa xícara de asa quebrada.
Tarde insone,
fúnebre,
de gatas borralheiras,
e roupas cheirando a naftalina...
Uma bailarina cega rodopia
na minha desilusão de palhaço sem circo.
Tudo que sinto é pouco,
tem o peso do passado...
E bebo na xícara velha o amor já sem gosto.
Tarde de agosto, eu diria,
com sangue suave e lento
rolando nos arrebóis dos jornais.
O anjo é silencioso
como o fio da lâmina que corta o pão duro
dessa tarde que não encontra a noite.

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